O VALE SEM RETORNO


A Fada Morgana, abandonada por seu amante Guyomard, decide vingar-se dos homens. Encanta o Vale Perigoso, de tal maneira que todos os cavaleiros infiéis a sua Dama que passem por ali, ficam aprisionados nele para o resto da vida. Permanecem dentro de um paraíso de sonhos; bebem, cantam, celebram festas, dançam, jogam xadrez, porém não podem franquear as ladeiras do vale, que estão vigiadas por gigantes, animais monstruosos e barreiras de fogo. 

O encantamento só pode ser levantado por um herói excepcional, um homem sempre fiel a sua dama. E, embora Morgana tenha feito todo o possível para seduzir Lancelot do Lago, é ele quem destrói o encantamento e libera os cavaleiros, demonstrando-lhes que as barreiras de fogo, os monstros e os gigantes não passavam de produtos de sua imaginação. Assim ganhou o ódio mortal de Morgana."

Morgana, nessa lenda faz o papel de Deusa Mãe Virgem que guarda em seu regaço os homens igual guardaria seus filhos. Pois seus filhos também são seus amantes. A atitude de Lancelot é uma atitude repressiva contra tudo que recobre a noção de feminilidade. Essa é também a história da feiticeira Circe, que transforma seus amantes em porcos. Lancelot, aqui, representa Ulisses, que rechaça à submissão e dissipa o que crê que som ilusões.

Circe e Morgana são a "Virgem" que dá medo, a "Virgem" que engole, a Indomável.

Os homens, que se crêem dominadores do mundo e os reguladores da ordem estabelecida, não se imaginam, nem por um instante, que seu poder não é mais que passividade, e que o poder da mulher, que depreciam ou temem, é o poder ativo.

Quando o homem contemporâneo suprimiu a Mãe Divina e a substituiu pela autoridade de um Deus Pai, desarticulou o mecanismo instintivo que produzia o equilíbrio primitivo. Daí surgiu a neurose e outros dramas das sociedades paternalistas, que se dizem pretender devolver a mulher sua honra e seu verdadeiro lugar, um lugar escolhido pelo homem. 

Buscou-se estabelecer uma "lei racional" contra uma "lei natural". Mas, a "lei natural" se concretiza através do instinto e esse, é algo que não se pode negar. Todo nosso comportamento se apóia na natureza e portanto, a disputa entre a natureza e a razão é uma falsa disputa, mas é a responsável pela cegueira que vive nossa sociedade hoje, que, querendo corrigir o instinto, separou o ser humano do que era sua natureza.

MORGANA E URYEN

Em "Lancelot en prose" em francês, encontramos elementos interessantes sobre Morgana. Ela se apresenta como esposa de Uryen e mãe de Yvain:

"Um dia que Morgana supreende a seu marido, o rei Uryen, dormindo na cama, ocorreu-lhe a idéia de livrar-se dele. Chamou a criada de toda a confiança e disse:

-Vá e busca a espada do meu senhor, pois jamais vi melhor ocasião de matar-lhe do que agora.

Porém, a criada assustada com o plano de Morgana, vai em busca de Yvain, o filho de Uryen e Morgana, explica tudo e pede para que intervenha.

Yvain lhe aconselha a obedecer, e quando Morgana levanta a espada sobre a cabeça de Uryen, Yvain que havia se escondido, se precipita sobre ela, arranca a espada das mãos da mãe e a reprime. Morgana implora seu perdão, dizendo haver sofrido um episódio de loucura.

Essa tentativa de assassinato está no espírito da Deusa que não suporta os laços do matrimônio e necessita ter um certo número de amantes.

Há relatos ainda, que Morgana rouba continuamente a bainha ou a espada de Arthur em benefício de seus amantes:


"Morgana, a Fada, ama outro cavaleiro muito mais que a seu marido, o rei Uryen e que ao rei Arthur, seu irmão. Então manda fazer outra bainha exatamente igual por encantamento e dá a bainha da Excalibur a seu amante. O nome do cavaleiro era Acolon."

Morgana se encarrega para que Acolon lute com Arthur, porém Acolon resulta ferido de morte pelo rei. Morre depois de haver confessado a traição de Morgana. Essa se desespera pela morte de Acolon, e busca vingar-se de Arthur. Ordena que enviem a seu irmão um rico manto que é mágico, pois queima todo aquele que tem a desgraça de cobrir-se com ele. Porém, no momento em que Arthur ia colocar o manto, a Dama do Lago revela a Arthur o perigo em que se encontra.